Desporto de competição. Um tubo de ensaio para a vida.

21-11-2008 00:18

Definir estratégias, perseguir objectivos, evoluir, e regredir também, ajudar o colega do lado para depois ser ajudado por ele, identificar pontos fortes e pontos francos (nossos e dos outros), sentir frustrações porque sabíamos mais e melhor do que conseguimos demonstrar…

Quem já fez desporto de competição sabe que estes desafios estão intimamente associados com o “ser atleta”. É consensual que, para se vencer no desporto de competição, é necessário treinar. O treino é um espaço onde, por vezes, se sofre. Um espaço e um tempo onde aprendemos coisas novas e refinamos as que já sabemos. Procura-se antecipar o futuro para obter vantagem. Se isto acontece no desporto de competição, não acontecerá também noutros contextos? O que foi descrito não será também válido para o nosso/vosso percurso na escola? Não somos nós, seres sociais, postos constantemente à prova? Não somos sujeitos a processos de avaliação, mais ou menos formais?

Ainda que nem sempre o reconheçamos, a nossa vida está recheada de competições. Umas mais importantes do que outras, por vezes subtis e por vezes óbvias, em contextos mais reduzidos (um teste na nossa turma, por exemplo) e outros mais globais (os exames nacionais de acesso ao ensino superior). Quer se goste mais ou menos, a competição é parte integrante do ser humano. Ela é pilar fundamental da evolução social. Viver é competir e competir é viver. Os críticos da competição confundem-na muitas vezes com o processo de destruição do adversário. Nada pode estar mais errado. Para haver competição nem sequer é necessário haver adversário. Podemos, e devemos, competir com nós próprios. Com os nossos medos, combatendo as nossas limitações e superando as nossas conquistas. Existem, contudo, duas diferenças entre a competição no desporto e a competição nos outros contextos das nossas vidas.

A primeira diferença diz respeito ao carácter facultativo de participação na competição. Se, no desporto, os atletas se predispõem, de livre vontade, a participar nas competições, nos outros contextos nem sempre essa participação é passível de escolha. Alguém perguntou aos alunos se queriam fazer exames? Os professores foram questionados acerca da sua disposição em serem avaliados e competirem por lugares condicionados por numerus clausus? Falaciosamente, parece que podemos optar por não competir nestas situações, contudo, na realidade, o que está a acontecer é que estamos a ser derrotados devido à nossa resistência em participar na competição.

A segunda diferença prende-se com as consequências que advêm das competições nos diferentes contextos. Com excepção dos atletas profissionais, as consequências de uma derrota desportiva são reduzidas e circunscrevem-se a um período de tempo curto. Nos outros contextos, nem sempre as consequências de uma derrota são de fácil assimilação. Quantos de nós não somos capazes de identificar um momento na nossa vida que comprometeu irremediavelmente o nosso futuro? Esse momento de competição, na qual, seja devido ao nosso talento seja devido à sorte, obtivemos um bom ou mau desempenho, persegue e condiciona a nossa vida.

A participação em competições desportivas pode ser entendida como uma preparação para as verdadeiras competições das nossas vidas. Um tempo de treino no qual aprendemos mais sobre nós. É durante os períodos de competição que revelamos verdadeiramente a nossa personalidade. É nos momentos de stress competitivo que revelamos as nossas formas intuitivas de reagir (às adversidades, ao desconhecido, à injustiça, ao inesperado, …). O reconhecimento do verdadeiro e espontâneo “nós” poderá constituir uma vantagem fundamental para ganharmos as nossas pequenas/grandes competições da vida.

 

Rui Marcelino*, professor de EF

* O professor Rui Marcelino esteve colocado na nossa escola no ano lectivo anterior e quis deixar esta mensagem a todos os alunos. O Esfarol agradece e envia-lhe um abraço.

Voltar